sexta-feira, 29 de junho de 2012

Meu sonho de ser aeromoça



A primeira profissão que quis ter, ainda quando criança, foi a de comissária de vôo. Abandonei a idéia conforme fui crescendo, mas no fundo sempre mantive a mesma atração por este trabalho. Na verdade, até hoje, quando me deparo com um destes profissionais, sinto um friozinho na barriga. É, deve ser amor.
A mulher e o mercado de trabalho nos anos 80 e 90

Minha infância se passou no final dos anos 80 e início dos 90. Apesar de ter tido uma mãe bem sucedida profissionalmente, muitas meninas da mesma idade ainda tinham mães donas-de-casa naquela época. Na mídia, especialmente nas telenovelas e comerciais, a imagem que se passava ainda era a de que as mulheres eram românticas, sonhavam com um marido (“bom partido”, de preferência), de que o ápice da vida de uma mulher seria o dia de seu casamento, de que eram elas as responsáveis pelo lar, etc.
Já era uma época em que as mulheres não enfrentavam relutância da sociedade em trabalhar fora –salvo em certas profissões – mas suas atividades profissionais ainda eram encaradas como sendo de menor relevância e direcionadas para ocupações consideradas “femininas”: subalternas, de baixa remuneração e geralmente ligadas a atividades de afeto. Não preciso lembrar que até hoje as meninas são direcionadas para as áreas que não envolvem raciocínio lógico e liderança.
De todo modo, os valores familiares ainda pregavam que o chefe da família era o homem; que quem “botava comida na mesa” era o marido; que a mulher, se trabalhasse, visava apenas ajudar nas despesas da casa. Daí obviamente surgia a noção, na mente das próprias mulheres, de que prescindiam de um emprego que exigisse grande responsabilidade ou grande remuneração. Poderiam ser secretárias ao invés de executivas, professoras primárias ao invés de professoras universitárias, enfermeiras ao invés de médicas...comissárias de vôo ao invés de pilotos.

Ser ou não ser comissária de vôo: eis a questão.
Aos 19-20 anos, já universitária, vivi um momento muito difícil, de muitas dúvidas, pois não me identificava com a profissão que havia escolhido. Cogitei largar tudo e fazer o que sempre amei, desde os 7 anos de idade: ser comissária de vôo.
       Foi quando finalmente procurei uma escola profissionalizante que desisti da idéia. Os homens iam até aquele estabelecimento para aprender a pilotar aviões. Eu, como mulher, estava indo para aprender a servir passageiros e tripulantes. Dentro do avião, os homens eram pilotos; as mulheres, as “mocinhas bonitas” que serviam as pessoas. Era um sentimento contraditório aos meus ideais feministas.  


Após muita reflexão, percebi que o que eu queria mesmo era trabalhar em escritórios, mexer com computador e papéis. Eu queria ser executiva! Como não tive muitos modelos de mulheres assim em minha infância, principalmente pela televisão, o que mais se aproximava disso era a imagem de comissária de vôo. Esteticamente, elas parecem mulheres de negócios. Entretanto, a falta de modelos me impossibilitou sequer cogitar esse desejo.

Comissárias de vôo e mulheres de negócios: não são parecidas?
O problema não é escolher uma profissão subalterna. O problema é escolher algo porque se é homem ou mulher.
Quero deixar claro que de forma alguma desmereço a importância das professoras primárias, enfermeiras ou secretárias. Todas as ocupações são importantes e gozam de grande mérito. O que coloco em questão é que existe uma incontestável estereotipia sexual de profissões, e muitos homens e mulheres ainda escolhem suas carreiras em função de códigos sociais e estereótipos de gênero.
A própria profissão de comissário de vôo é um grande exemplo. É uma profissão tão sexualizada, no sentido de generizada (gendered), que até pouco tempo atrás era uma ocupação quase que exclusivamente feminina. Felizmente, a flexibilização das diferenças de gênero possibilitou que muitos homens adentrassem no ramo. Isso afetou até a denominação do cargo: passou a chamar-se “comissário (a) de vôo”, e não mais “aeromoça”.
O perigo da sexualização de profissões.
Muitas mulheres ainda não ousam enveredar pelas ciências exatas, mesmo tendo habilidade para tal, por não se sentirem pertencidas àquele universo predominantemente masculino. Muitas se contentam com o curso de Secretariado Executivo, quando na verdade poderiam ter sido grandes empresárias e gestoras. 
Em contrapartida, a educação dos meninos os afasta de ocupações com pouco prestígo social e baixa remuneração. A sociedade rechaça os homens que não correspondem ao ideal masculino de sucesso: rico e bem sucedido. Tendo isso em vista, muitos homens amam a arte, mas optam pela carreira de Direito que a família tanto espera. Muitos seguem infelizes na profissão de médico, pois na verdade desejavam ser biólogos. Outros tantos cursam Engenharia, mesmo sem talento algum, apenas em função da identificação de gênero (Parece brincadeira, mas muitos ainda seguem a lógica: “Sou homem. Logo, serei engenheiro”). 

Ser médico ou biólogo? O status social conferido pela profissão de médico certamente pesará na escolha dos homens.

Identificações e estereotipias de gênero sempre haverá. Todavia, o que espero é que sejam reduzidas ao máximo, especialmente no que tange às ocupações profissionais. Só assim não veremos mais o simples fato de ser homem ou mulher restringir escolhas, sobretudo as profissionais. Só assim não veremos mais sonhos impedidos, desejos reprimidos, habilidades inutilizadas e talentos desperdiçados.



segunda-feira, 25 de junho de 2012

Chega de mordomias!

         


          Fico indignada quando vejo casais em que a mulher não paga nada. Desde uma bola de sorvete até a prestação da casa, tudo é responsabilidade do homem em muitos relacionamentos. Todavia, esse protecionismo que a sociedade confere às mulheres não se restringe a isso. Elas usufruem de diversas mordomias aparentemente benéficas para elas mesmas em diversos outros contextos.

          Em casas noturnas, as mulheres pagam valor de entrada inferior ao dos homens, sem contar as entradas livres. Ao contrário de ser um privilégio para as mulheres, o é para os homens, já que a intenção é disponibilizar o maior número possível de raparigas no ambiente, para que assim os homens possam escolher à vontade, tal como fazem com frutas em frutarias. A legislação de divórcio permite à mulher usufruir de pensão do ex-marido, mesmo quando têm condições  para sustentar a si mesma. Inúmeros são os exemplos.

          E isso é ótimo, não? Claro que não. O que ingenuamente soa como um benefício para as mulheres e algo que as valoriza, só, ao contrário, as minimiza. São instrumentos que as mantêm na condição de inferioridade, que as infantilizam, que as isentam de responsabilidades e deveres, que as impedem de crescer.



          O homem ter o dever de pagar a conta do restaurante, consenso ainda irrefutável para muitas pessoas, é o exemplo clássico de um ato paternalista infantilizante visto como um ”ato de gentileza e educação do parceiro” sob os olhares do senso comum. Mas é, na verdade, um ato de manter a mulher – e todas as demais mulheres, conseqüentemente – na estagnação, na infantilidade, na privação do enfrentamento de deveres e responsabilidades.


          Qualquer ser humano só amadurece quando abandona a educação paternalista que o mantém sob os domínios de uma proteção excessiva. É como o ato de educar uma criança: para permitir que nossos filhos cresçam e amadureçam, precisamos incumbí-los de responsabilidades e privá-los de medidas protetoras demasiadas. Eles devem aprender a se vestir sozinhos, fazer a própria comida, arranjar um emprego, enfrentar o mercado de trabalho, sair para o mundo, andar com as próprias pernas. Sair da zona de conforto, enfim.

          Acobertado sob uma criação paternalista e superprotetora, ninguém vai a lugar algum. Todavia, é isto que ocorre com as mulheres, porém durante toda a vida, inclusive – e principalmente - na idade adulta. Elas são resguardadas de diversas responsabilidades, sobretudo as financeiras, sob o disfarce de polidez e gentileza. O que se resguarda, na verdade, é a possibilidade da mulher crescer e exercer sua cidadania plena. Direitos iguais também significam deveres iguais. Não há bônus sem ônus.

          Mulheres, saiam da zona de conforto. Paguem a conta do restaurante, dividam a prestação da casa, façam a baliza sozinhas sem passar o volante a um homem, vão vocês mesmas até o local onde precisam ir sem esperar que o homem seja seu motorista particular. Queiram direitos e, conseqüentemente, deveres. Não queiram mordomias.