sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

A decadência da música

Há tempos venho percebendo que a música virou apenas uma indústria de entretenimento barato e, por isso, sua qualidade está em visível decadência. Mas minha angústia em relação a isso piorou quando assisti a um show (na TV, claro) do Mark Knopfler, vocalista do Dire Straits. Me assustei com aquele sessentão calmíssimo, figura simpática cuja imagem interpretei como “avô divertido que toca guitarra”. Tá certo, talvez eu tenha me prendido demais àquela imagem dele do Sultans of Swing, de terno vermelho e tal, daí o espanto.



O mesmo acontece com o Ian Gillan, do Deep Purple. Sejamos realistas: acabaram-se os tempos em que ele cantava “Child in Time”, por exemplo. Ele sequer ousa tentar os tons mais agudos hoje em dia. Sem falar naqueles bracinhos de bisavô...

A questão é: Os lendários do rock estão morrendo. Pior: ninguém os está substituindo.

Tudo o que vejo hoje na música são produtos industrializados. Sucessos efêmeros, personagens descartáveis, apresentações em playback, artistas cujas roupas que estavam usando na festa tal importam mais (pra mídia, pro público e pra eles mesmos) do que o som que fazem.





Eu poderia escrever um texto enorme explicitando todos os lixos que estão em voga no momento, mas vou citar apenas alguns elementos que caracterizam fidedignamente a decadência a que me refiro.

As mulheres parecem ter saído de uma linha de montagem: mesmo físico, mesmas roupas, mesmas coreografias medíocres. É a era do “sex appeal”: tire as rebolações e as roupas minúsculas e não sobra nada. Algumas até têm voz, mas são incapazes de se garantir apenas pelas habilidades artísticas (ou é isso que as fazem acreditar). Os videoclipes são todos a mesma escrotisse: é uma disputa pra ver quem é a mais “cachorra”.





Os homens também não se salvam. Todos com aquele tonzinho emo que nem vibrato tem. Pagam de meninos virgens em busca do verdadeiro amor romântico, quando na verdade já freqüentaram todos os puteiros da cidade. A outra alternativa é ser “gangsta”: vence quem mostrar que tem os carros mais caros e a maior quantidade de mulheres.





Não há espaço para conteúdo e originalidade. Vide a Shakira: antes era morena, tinha som próprio, tocava violão, compunha e valorizava suas origens cantando em espanhol. Agora se rendeu ao mercado e se tornou mais um produto americano enlatado, ou, se preferirem, mais uma boneca Britney: agora loira, com corpo de academia, se rendeu à estratégia do sex appeal como elemento imperativo da carreira e mudou seu som para o que chamo de “fundo musical de loja”. Sabe aquele produto antigo que foi redesenhado pra se adaptar ao perfil do novo consumidor, pois, caso se mantivesse como era originalmente, perderia espaço no mercado para o produto concorrente? É ela -e muita(o)s outra(o)s.





A maioria desses artistas sequer são lembrados pelo público pouco tempo depois. Seus fãs não são fiéis. É compreensível, afinal, são pessoas que só vão na onda (e não só no que diz respeito à música) e ouvem o-que-quer-que-esteja-na-mídia-no-momento. Rechaçam qualquer coisa que não esteja tocando nas rádios. Se toca uma música de 1 ano atrás, eles dizem: “ai, essa música é velha, é do verão passado!”.

Os artistas antigos, em contrapartida, têm hits clássicos há décadas. Várias músicas antigas continuam atuais. Achei perfeita a resposta de John Norum, guitarrista do Europe, mediante a pergunta de um entrevistador sobre o que ele achava do fato de que suas músicas tocaram nas rádios há mais de 20 anos e os fãs continuam fiéis. Ele respondeu, curto e grosso: “Música boa nunca sai de moda”. É justamente isso: o que é realmente bom se eterniza, deixa marcas. Não é descartável, tampouco precisa se reinventar para continuar vendendo. O público –seleto – que sabe apreciar boa música é fiel, não se deixa influenciar por modismos.

Nunca me esqueci de uma frase de meu professor de física do segundo grau. Lamentando-se pelas perseguições religiosas e pelos males que a Igreja causou à ciência a fim de manter seus dogmas na Idade Média, ele disse: “talvez nunca mais teremos grandes físicos como Galileu, Copérnico ou Kepler”. De fato. Por isso farei aqui uma paráfrase desse raciocínio com o que ocorre na música: talvez nunca mais teremos grandes artistas como Fred Mercury, Steve Ray Vaughan e John Bonham. Enquanto a música estiver rendida aos interesses econômicos e promover tão somente artistas industrializados para divertir as massas alienadas, não haverá espaço – nem estímulo – para eventuais substitutos que ousem criar novos clássicos de som subversivo com conteúdo e qualidade.