quinta-feira, 6 de agosto de 2009

O preço da diferença

      


     Vivendo numa sociedade que dita padrões, valores, gostos, opiniões, dentre tantas outras coisas, as pessoas que são diferentes sabem o preço que devemos pagar por isso. Sempre tive uma personalidade transgressora, crítica, desvinculada dos padrões vigentes. Por isso desde criança senti na pele a angústia que é se sentir um peixe fora d´água no seu próprio mundo. Vários são os exemplos pessoais que posso dar para ilustrar isso.

       Por exemplo: a minha geração viveu o ápice da idolatria à Xuxa. Eu gostava dela, mas preferia a Mara Maravilha. E acho que o maior motivo dessa “transgressão” era porque eu não me identificava com a Xuxa porque ela e todas as paquitas eram loiras (a Mara era morena). É claro que naquela época esse motivo era inconsciente e eu não fazia idéia de como uma simples cor de cabelo podia agir como um símbolo de identificação. A questão é: as meninas loiras que adoravam a Xuxa se identificavam com ela porque captavam inconscientemente um símbolo que as tornava parecidas; as morenas, por outro lado, não apenas continuavam gostando da Xuxa, apesar de se sentirem diferentes dela, como sentiam emergir o sentimento de querer ser loira. Eu, percebendo que tinha traços que impediam minha identificação plena com a Xuxa, fui atrás de outro objeto de identificação, um que corroborasse com quem ou como eu era. As outras meninas, por sua vez, faziam questão de continuar vinculadas àquele objeto, mesmo que para isso tivessem que “se mudar”, mudar sua personalidade, mudar seu físico, para ser como o objeto que lhes era sugerido como identificatório.

       Outro fato: quando eu tinha 12 anos, enquanto as meninas da minha idade ouviam Só Pra Contrariar, eu estava curtindo meu CD do Pantera. Com 13, enquanto as meninas da minha idade liam revista Capricho ou Corpo a Corpo, eu lia a Rock Brigade. Com 17, eu planejava quantos cursos e quantos estágios eu faria durante minha vida acadêmica para me tornar uma profissional bem sucedida, enquanto tantas outras colegas já “namoravam pra casar”. A angústia delas em relação à profissão era pouca, já que não era a prioridade. A prioridade delas era, isso sim, encontrar aquele príncipe encantado que sempre prometeram que nós encontraríamos, e o resto.....bem, o resto era resto.

       Já cansei de ouvir coisas do tipo “você é muito branca”, “você é muito magra”, “você devia passar um batonzinho”, “mas como você foi à praia e não está bronzeada?”, “mas como você não gosta dessa música?Está tocando direto!”, “você tem que usar salto alto”, etc. Em outras palavras: “você tem que ser igual a mulher da capa da revista Boa Forma e ouvir o que toca nas rádios”.

       A mulher que não é fútil, que não é caça-marido, que não acredita que a beleza é a maior fonte de realização pessoal é taxada de lésbica. O homem que não gosta de futebol, que não acredita que tem que pegar o maior número de mulheres possível é taxado de viado. A mulher que não está pensando em fazer nenhuma cirurgia plástica é otária. A pessoa que não assiste novela é estranha. A pessoa que não gosta de perder tempo com conversas inúteis (lê-se: que não suporta papo de futebol, papo de novela e BBB) é chata. A pessoa que não gosta das músicas (enlatadas) que estão tocando nas rádios no momento é esquisita. A mulher que vai à praia e não fica torrando que nem um frango assado pra ficar bronzeada a todo custo é burra. A pessoa que não gosta de dançar tem que ficar se protegendo das pessoas que ficam tentando a arrastar pra pista de dança, já que "quem não dança é chato". O homem que se depila é bicha.

       Como mencionei no início do texto, sempre tive uma personalidade transgressora, então nunca senti a necessidade que as pessoas sentem de ter que ser aceita no grupo a qualquer custo. Eu sempre fui do jeito que me sentia bem sendo. Mas se assumir diferente não é fácil, causa angústia. No meu caso, eu não tive outra opção. Eu sou diferente e ponto final. Se a angústia é a conseqüência inerente a essa opção, não há como eu fugir dela. E uso aqui o termo angústia com uma representação semântica ampla para designar vários sentimentos: raiva, solidão, medo, vergonha.
       Só para ilustrar, me irrita ver as gurias super empolgadas por causa de um show da Ivete Sangalo. Me sinto sozinha por não poder conversar sobre as bandas que eu ouço com nenhuma mulher, já que elas nem sequer ouviram falar em nada do que eu curto (os homens geralmente conhecem as bandas que menciono); me enoja papo de novela; sofro andando horas à procura de um sutiã sem enchimento (leia isso); me entristece ver que sempre estou sozinha nadando no mar, apenas com homens e crianças, já que todas as mulheres não podem perder um minuto de torração no Sol; me cansa ouvir comentários que eu deveria usar batom e roupas coloridas, e ver que as gurias saem na rua parecendo a Emília do Sítio do Pica-Pau Amarelo de tanta maquiagem e esse ser o padrão de normalidade.

       O problema é que percebo que pouquíssimas pessoas têm essa coragem de enfrentar a angústia que decorre do fato de ser diferente. Muitos homens que gostam de namorar por longos períodos acabam cedendo à pressão dos amigos para ser “O pegador”, pra encarar a mulher como um pedaço de carne, mesmo não se sentindo bem com isso. Muitas mulheres arriscam ficar com câncer de pele se expondo ao sol exageradamente “porque é pecado ir à praia e não voltar bronzeada”. A mulher que vê todas ao seu redor determinadas a fazer uma cirurgia plástica, por mais que não haja nada de errado com ela, acaba pensando “e o que eu estou esperando pra fazer também?Se todo mundo está achando que precisa, então eu também devo precisar de uma plástica”. Se a programação na televisão está um lixo, é mais fácil continuar assistindo sem questionar, porque dá trabalho ficar procurando por um programa mais interessante. Muitos homens sentem vontade de depilar o peito (e, se isso for servir de incentivo a alguém, eu odeio peito peludo) mas têm vergonha ou medo de pensarem que eles são gays, então preferem continuar se achando inadequados e suando desnecessariamente (sim, o pêlo faz suar mais).

     Ser diferente e se assumir de tal forma provoca angústia. Isso é um fato. Mas ser diferente e tentar se enquadrar a todo custo aos padrões impostos também provoca angústia. Mas esta segunda forma de angústia, infelizmente, parece ser a opção preferida pela maioria das pessoas. Isto é, parece ser menos doloroso carregar consigo uma angústia por ser diferente mas tentar se encaixar nos padrões, do que conviver com a angústia de ser diferente e se assumir assim.



       Ser diferente e aceitar essa angústia, ou ser diferente e tentar se igualar a todo custo, vivenciando também a angústia: eis a questão.