quarta-feira, 14 de março de 2012

O problema não é o sertanejo universitário

-->Uma das perguntas que não querem calar ultimamente é: “você gosta de sertanejo universitário?”. Minha resposta é um entusiasmado “não”, mas minha posição não se justifica por uma mera questão de gosto, seja porque as letras têm o mesmo teor de corno romântico, porque as vozes são todas parecidas, porque as batidas são sempre as mesmas ou qualquer outro valor estético. 

Alguma dupla sertaneja que não sei o nome, 
mas não faz diferença porque logo vai sumir.

Eu gosto de muita coisa da música country, especialmente as vertentes mais ligadas ao blues e southern rock (uma de minhas bandas preferidas, inclusive, é o Lynyrd Skynyrd) e curto  muitas músicas de nomes como Alan Jackson, Paul Overstreet, Travis Tritt e até Garth Brooks. Mesmo assim, não curto sertanejo, tampouco o universitário, apesar de nutrir certo respeito –apenas isso– pelo sertanejo verdadeiro, “de raiz”. 

Lynyrd Skynyrd é bom demais.



Sim, eu curto Alan Jackson.

  -->              
              O sertanejo universitário não é um problema per se.


Tendo em vista meu apreço por muitos cantores country, o sertanejo universitário não deveria ser-me tão repugnante. E confesso que, em termos simplistas de mero gosto, ele me soa muito “menos pior” do que axé e pagode, por exemplo. 
Mas o problema não é o sertanejo universitário. Não em si. O problema é que isso é só mais uma coisa que as pessoas ouvem porque está na moda. É só mais uma coisa que as pessoas veneram por que se popularizou devido ao apoio da grande mídia. É só mais um padrão de comportamento que as pessoas adquiriram para se sentirem adequadas socialmente. Poderia ser qualquer outra coisa em seu lugar, daí sua mediocridade.
Lembro-me com extrema lucidez quando, há cerca de 5 ou 7 anos, as pessoas me zombavam por gostar de alguns nomes da música country (estes que citei acima). Hoje, são estas as mesmas pessoas que se deliciam com o último DVD do Fernando & Sorocaba, ou que freqüentam, animadíssimas, bares como Vitoria Vila e Wood’s.
Nesta época, por volta de 2004, a música sertaneja ainda carregava consigo o estigma de “música de diarista”. Foi apenas quando os grandes empresários da indústria fonográfica e barões da grande mídia resolveram mudar o “posicionamento de mercado” do sertanejo (porque o sertanejo universitário é só mais um produto para vender rápido e, portanto, se orienta estritamente pelas lógicas do marketing) e lhe criaram uma nova cara, uma nova identidade, que seu público-alvo mudou. Nada de histórias a respeito da dura vida no campo. O termo “universitário” lhe confere, agora, um traço mais elitizado, mais jovem. Seriam músicas para o jovem das classes até as mais abastadas, que adoram curtir e se divertir com os colegas e amigos. 



Não coincidentemente, o funk, até os anos 2000, era “música de favelado”. O pagode, por sua vez, era “música de pobre” até o final dos anos 80. O reggae era “música de maconheiro” até meados dos 90. Julgo dispensável lembrar que todos já tiveram seus estereótipos transformados – por causa do apoio da grande mídia. Claro, sempre ela - e gozaram de anos de glória: o pagode na década de 90, o reggae no início dos anos 2000 e o funk dos anos 2000 até agora. 

Quando eu era adolescente, todo mundo era surfistinha e ouvia reggae. Menos eu, claro.



Hoje, essas mesmas pessoas cresceram e viraram isso. "Pura coincidência", lógico.
-->
Isso é tão ridiculamente óbvio que sinto-me até envergonhada por estar explicando de forma tão pormenorizada. Perdoem-me os leitores perspicazes que certamente já sabem disso, mas outros tantos que ainda não perceberam me obrigam a fazê-lo.

Comportamentos e valores moldados por tendências efêmeras: grande liberdade de pensamento!
Ora, onde estão as pessoas que adoravam reggae quando era este o estilo ditado pela moda? Onde estão as mulheres que tinham incontestavelmente no pagode seu estilo musical preferido, quando era este o estilo apadrinhado pela mídia? Cadê o povo que, para se divertir, esperava música eletrônica na balada, quando este era o padrão de comportamento? Pois é.

-->
Todos queremos fazer parte de um grupo? Certamente, e essa é a natural conseqüência de nosso instinto gregário. Mas há uma diferença enorme entre o desejo de se estabelecer relações sociais, buscar adequação e convívio social, e entre agir como uma marionete para se adequar ao que está em voga em dado momento, e ainda se julgar autêntico. Desculpem-me a franqueza, mas isso beira a imbecilidade.
Experimente perguntar a qualquer pessoa quais são seus artistas preferidos. Salvo raras exceções, a resposta será unânime: são aqueles que estão em visibilidade no momento, que recebem convites para tocar no Domingão do Faustão, que são entrevistados por repórteres da televisão, aqueles cujos videoclipes são exibidos na MTV e cujas músicas tocam incessantemente nas rádios.


É certo que nem todos se relacionam tão intimamente com a música. Muitos a vêem como uma simples forma de entretenimento, algo que não suscita grande importância. Daí se justificariam os repertórios tão limitados e padronizados. Fair enough. A questão é que esse comportamento não atinge apenas estas pessoas.
Isso não seria um grande problema se as pessoas admitissem que só gostam de determinada coisa porque está na moda e, quando não estiver mais, “esquecerão” que gostam. O problema é que elas não percebem isso. Elas realmente acreditam que seu gosto é genuinamente individual e que o fato de gostarem do que está na moda é mera coincidência. Nada extremamente relevante para aqueles que, como disse, pouco valor dão à música. De todo modo, qualquer tipo de expressão musical jamais será neutra em significação. Ao contrário, sempre estará solidificada em alguma rede de valores,  hábitos, comportamentos, pressupostos, ideais.

            O X da questão.

O perigo, todavia, reside no seguinte ponto: se as pessoas conseguem ser tão facilmente modeladas no que concerne a seus valores e comportamentos em relação à música, se mostram-se tão passivas e inconscientemente sujeitas aos poderes da grande mídia para fazer algo tão singelo e elementar como ouvir música, por que não o seriam em outros contextos, ainda mais complexos? Esse é o ponto-chave.