sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Inveja da minha branquelice

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Já comentei aqui sobre as tirações de sarro que sempre sofri por ser branquela. É raro, para não dizer impossível mesmo, sair de saia ou vestido e não ouvir algum comentário, baixinho, de alguém intrigado com minha branquelice. Muitos não são nada tímidos: falam alto, intencionalmente para eu ouvir, como minha perna é branca. Vale lembrar que a intenção não é exatamente elogiar; pelo contrário. “Que perna ridícula!”, “nossa, o que é isso?!”, “tá precisando ir pra praia, hein?!”, são os mais comuns.
                São comentários tão absurdamente depreciativos, insultos esses recebidos gratuitamente de pessoas que nem conheço, que poucos acreditavam quando eu contava. Até questionavam minha própria sanidade mental algumas vezes, pois muitos duvidavam que aquelas pessoas e comentários realmente existiram. Felizmente, em algumas situações eu estava acompanhada, o que possibilitou que a pessoa que estava comigo em dada situação pudesse ter certeza que essas coisas realmente aconteciam, que eu não estava mentindo e tampouco caminhando para a esquizofrenia.
                Não basta te acharem feio. As pessoas têm que esfregar isso na sua cara.
Se você acha algo feio em mim, tudo bem. Não sou uma mulher vaidosa e não acho que meu mundo acabou porque alguém me acha feia (sei de uma guria, inclusive, que chorou o dia inteiro porque, caminhando pelas ruas com uma amiga, um caça-modelo as parou. Ele abordou apenas sua amiga para fazer alguns trabalhos fotográficos, e não ela). Mas por que essa necessidade de esfregar isso na minha cara? Por que a necessidade de me fazer sentir ridícula e inadequada? Por que a vontade tão feroz de me humilhar publicamente? Por que minha branquelice incomoda tanto? Por que se sentir no direito de dizer – a um estranho, repito – como uma pessoa deve ser ou não porque é isso que você acha que é o certo?
Eu também acho muitas coisas horríveis nas pessoas, mas não saio por aí falando isso para elas, muito menos aquelas com as quais não tenho vínculo algum. Acho pavorosas aquelas mulheres que pintam o cabelo de loiro e que ficam super artificiais, mas não saio por aí perguntando se elas pintaram o cabelo com Suvinil (tinta de parede). 
A tal loira Suvinil.
Abomino homem com "cabelo de lego" (aquele corte normalzão que é simplesmente uma penugem capilar na cabeça), mas não saio por aí gritando nas ruas, perguntando se eles não tem vergonha de usarem o mesmo corte de cabelo desde os 6 meses de idade. 
O corte de cabelo “lego”adotado por 98% dos homens: palha pra cacete.

Acho medonhos aqueles cabelos cheios de luzes que chegam a ficar cinza. De costas, essas mulheres mais parecem bisavós com corpos de 25 anos. Mas não saio questionando essas mulheres se a intenção delas era ficar com o cabelo loiro ou grisalho mesmo.
A intenção era ficar loiro ou grisalho?

Argumento da inveja: o mecanismo de defesa dos narcisistas.
Tentando me consolar, as pessoas sempre me diziam: “não ligue, é inveja”. “Bobagem”, sempre pensei. Nunca acreditei que fosse inveja, e por 2 motivos: 
1)      As pessoas, especialmente as mulheres, realmente acham feio ser branca demais. Logo, não faz sentido elas terem inveja. Elas não invejam algo que acham feio.
2)      Nunca fui fã do argumento da inveja. Acho muito narcisismo achar que, se não gostam da gente, é porque nos invejam. É uma forma de sempre se colocar por cima: nosso defeito, se existir, é ser bom demais. Tão bom que até traz desavenças. Sei de pessoas que sequer conseguem cogitar outro motivo fora a inveja para alguém não gostar delas. Ora, nós podemos ter tantos defeitos, as pessoas podem desgostar de nós por tantos motivos! Deduzir precocemente que não gostam de nós por inveja é mesquinho demais. É narcisismo demais.

Ser diferente incomoda. Ser diferente e feliz incomoda mais ainda.
Em um dado momento, me atentei ao fato de que a esmagadora maioria das pessoas que faz esses comentários é mulher. Esse detalhe me leva a crer que sim, talvez possa ser inveja mesmo. Mas não inveja por achar bonito, pelo contrário. Inveja justamente por acharem feio, mas me verem auto-confiante sendo eu mesma. Inveja porque não conseguem conceber a idéia de uma mulher não corresponder ao padrão de beleza imposto (e que elas seguem neuroticamente) e ainda assim ser feliz. Inveja porque não conseguem aceitar que muitos homens acham bonito justamente aquilo que elas tentam ser ao contrário. Inveja porque alguém tem coragem de desafiar o senso comum e ser feliz assim. Como eu ouso estar feliz e satisfeita quando todos os signos sociais e midiáticos me dizem para eu me sentir um lixo, não é mesmo? Que audácia perante o padrão de comportamentos previsíveis!
Não, elas não têm inveja de mim porque acham minha cor bonita. Elas realmente me acham feia. E é justamente isso que incomoda e causa inveja: ser considerada feia e mesmo assim se sentir bonita. Isso vale para as negras, gordas, baixinhas, altas demais, magricelas, sardentas, ou qualquer mulher com uma característica fora do padrão, por causa da qual tentam nos fazer sentir como lixo. Mas não somos lixo. Somos livres. E como isso incomoda!