sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Caso Uniban: o machismo está na atitude de quem, exatamente?

Eu estava tentando evitar escrever sobre o acontecimento na Uniban, mas tenho lido coisas tão absurdas que decidi me manifestar. Uma pessoa, inclusive, pediu minha opinião pois queria “uma visão feminista” sobre o acontecimento.

Eu estava evitando falar sobre isso porque não queria dar ainda mais notoriedade ao caso, o que evidentemente reforçaria o comportamento de mulheres oportunistas que passam a vida procurando uma forma de se promover pelo corpinho e assim alcançar o sucesso, mesmo que brevemente.

A reação popular perante o caso consiste basicamente no seguinte: julgar os alunos e o Reitor da Universidade como machistas. Reconheço que o assédio violento dos alunos foi escrotíssimo e machista. Realmente tem muito homem que acha que mulher é pedaço de carne, e aqueles alunos mais pareciam macacos no cio, ávidos para conseguir a fêmea. Em barzinho isso chega a ser patético. Quando tem uma dupla ou grupinho de mulheres solteiras, sempre tem um bando de homens reunidos que nem piscam de tão hipnotizados, rodeando as moças igual urubu rodeia a carniça que encontra.

Ameaçar de estupro uma mulher por causa das roupas que ela usa é absurdo, uma primitividade sem tamanho (muitas pessoas até acreditam que o estupro se “justifica” por causa da roupa ou das atitudes da vítima). Mas, embora eu reconheça a culpa dos alunos e concorde que eles deveriam ter sido punidos severamente, acredito que não podemos fazer julgamentos unilaterais, e o que mais me incomoda nessa história toda é o povo achando que o machismo só existiu desse lado.

A Folha de São Paulo, quando retratou o caso da Uniban, usou o título “Taliban na Universidade”. Estimei a criatividade do trocadilho, mas discordei da analogia. Não concordo que julgar as vestimentas de alguém como “pouco adequadas” tenha alguma relação com o regime taliban, tampouco que seja um passo andado neste caminho. Muito disso é apenas uma questão de bom senso: é preciso vestir-se adequadamente quanto ao local que se está freqüentando. Não é adequado usar micro vestidos para assistir a aula. Na realidade, certos micro vestidos são vulgares em qualquer lugar, quem dirá num ambiente de estudos. Por isso não considero errado julgar a garota como inadequada: ela o foi, de fato. E seria o cúmulo uma universidade ter que oferecer aos alunos um “código de vestimentas”. No dia em que alguém precisar ler um papel escrito pelo Reitor para conseguir identificar o que é adequado ou não usar na aula, é porque a sociedade já perdeu de vez o senso crítico. Saber o que vestir ou não vestir em ambientes educacionais, empresarias, etc, é uma questão de bom senso, e ponto final.

E isso nos leva à outra questão que já destrinchei em outros textos: as pessoas, hoje, têm muito medo do “suposto moralismo”. “Moralismo” é encarado como um conceito monstruoso do qual as pessoas fogem desesperadamente. Qualquer coisa ou atitude que possa vir a ser encarada como “moralista”, é rechaçada imediatamente pelas pessoas. Para muitos, um julgamento quanto à inadequação da vestimenta de alguém é uma atitude moralista, quando na verdade é um simples ato de bom senso. Mas, como já falei sobre isso, a maioria das pessoas não consegue mais diferenciar o bom senso do moralismo. Como as pessoas têm medo de parecer moralistas, elas repelem qualquer atitude que possa se enquadrar nesse conceito equivocado. Por isso muitas pessoas aceitam muitos absurdos (ou condenam algum tipo de proibição) com medo de estarem sendo “moralistas”. Essa palavra causa até calafrios em algumas pessoas! O que quero dizer é o seguinte: não tem nada de mal em dizer que ela estava vestida inadequadamente. Fica tranqüilo, você não vai ser moralista porque pensa isso. E isso também não significa dizer que as roupas da garota justificaram o assédio. Não, não justificaram, e não é isso que estou defendendo.

O que vim aqui defender é o fato de que não apenas os alunos foram machistas. Aquela menina também reforça o machismo e todo o padrão de comportamento dela é nada menos do que um espectro do machismo. E por quê? Bem, na televisão a todo momento recebemos os valores de que "é a mulher-objeto que se dá bem", "é a mulher que se reduz a um corpinho sarado que se dá bem, que ganha fama e dinheiro fácil", "é a mulher que fica famosa por causa do corpo que é esperta". "Pra que estudar? É mais fácil sair pelada numa revista". Não surpreendentemente, Geyse Arruda já está analisando a hipótese de posar nua.

Na Veja saiu uma foto do protesto a favor da garota, em que pessoas nuas seguravam os seguintes dizeres: “Não ao machismo!” e “Mulher, o corpo é seu!”. Admito que foi ao ler essas palavras que senti o ímpeto de escrever sobre o caso e elucidar algumas questões.

“Não ao machismo!” por quê? Porque os alunos foram machistas ao assediarem a garota por causa das roupas que ela usava, acreditando que isso justificava a violência sexual? Por esse ângulo, concordo. Mas todo o comportamento dela também é conseqüência da cultura machista. A mulher se promover pelo corpo é um dos elementos mais característicos da cultura machista tal qual a conhecemos aqui no Brasil. A nossa cultura institui impiedosamente que mulher é peito e bunda. E só. Institui igualmente que a beleza é a maior -ou até única- fonte de inserção ou progressão social para uma mulher. A tal Geyse é apenas mais uma de tantas mulheres que aguardam a vida toda por uma oportunidade de se promover pelo corpo.

O outro dizer a favor de Geyse Arruda, “Mulher, o corpo é seu!” é igualmente ambíguo. Curiosamente, há poucos dias li uma declaração da Fernanda Young que me revoltou demais, e consistia basicamente nesse mesmo pressuposto. (Não conhecia direito o trabalho dela e por isso nunca fui uma fã, mas confesso que o visual irreverente que ela tem me fazia acreditar que ela era uma pessoa mais profunda do que as demais pessoas da televisão. Isso mudou há cerca de um ano, quando li uma entrevista com ela nas páginas amarelas da Veja. Que decepção. Em resumo: ela é uma dondoca vestida de mulher alternativa. Confesso que após ler essa entrevista criei uma antipatia incontornável por ela, e o que ela disse há alguns dias reforçou ainda mais esse sentimento.) Defendendo o direito de posar nua, ela afirmou: "Queria fazer algo contrário da proibição, da burca. O erótico faz parte da liberdade feminina. Triste é o país que não permite a nudez da mulher". Esse comentário foi tão infeliz que dá até um desânimo. Me surpreendo muitas vezes de ver como algumas pessoas são totalmente perdidas nas idéias.

Mulher, o corpo é seu. De fato. Mas a “libertação” do corpo feminino, apesar de significar o direito de a mulher usar o que quiser sem isso justificar um possível assédio, não significa expor o corpo como um produto ou usá-lo como caminho para o sucesso e para o dinheiro. Significa, justamente, o direito de resguardá-lo, de não precisar exibi-lo para ser aceita socialmente (ou até profissionalmente), de não reduzi-lo a um objeto no mercado de produtos.

Machismos iguais, porém sob pontos de vista antagônicos.


O que parece tão difícil pras pessoas perceberem é justamente o fato de que essa cultura que temos das mulheres "subirem na vida com o corpinho" é uma cultura tão machista quanto a cultura talibã que impõe que a mulher não deve nem mostrar o rosto. A cultura Ocidental faz justamente o inverso disso, mas o fundamento continua sendo o mesmo: ver o corpo feminino como mercadoria.




Geisy, antes do episódio fatídico, já demonstrando seu talento e interesse em
investir na carreira de "ex-reality show".