quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Fraudes que se intitulam psicólogos

É desanimador ver que a sociedade tem cada vez mais preguiça de pensar. Alguns estão tão arraigados aos paradigmas impostos que não conseguem pensar pela incapacidade de criticismo que tais amarras lhes conferem. Com algumas dessas pessoas tenho a infelicidade de compartilhar minha profissão, cujos profissionais deveriam ter o papel de reflexão e questionamento. No entanto, muitos deles são apenas pessoas cujos comportamentos e valores são definidos de acordo com o que é vigente no momento, o que inviabiliza qualquer tipo de senso crítico. Quando se deparam com uma reflexão nova sugerida por outra pessoa, conseguem apenas dizer “há há há” ou dar respostas irônicas.
Não seria tão espantador se deparar com um engenheiro que pensa assim, afinal, ele só precisa entender de números e capacitores. Igualmente compreensível seria conhecer um farmacêutico que age de tal forma, já que a habilidade que precisa ter para desenvolver seu ofício restringe-se aos assuntos da biologia e da química. Psicólogos, por sua vez, devem ser pensadores, filósofos, sociólogos, críticos no que se refere aos assuntos pertinentes aos indivíduos e à sociedade.

Como um psicólogo que não tenha um posicionamento crítico sobre nada pode tratar do sofrimento psicológico dos outros? Como alcançar este fim, se o único ou maior sofrimento psíquico que muitas destas profissionais têm é não ter o peito do tamanho do da atriz da capa da revista? Como vão manejar a angústia de seus pacientes, se a única angústia que conhecem é não ter um otário ao lado para pagar por todas as suas futilidades? Como dar credibilidade a elas, se o maior objetivo profissional delas é juntar dinheiro para pagar uma cirurgia plástica? Como vão ter uma postura ética, se, mesmo que não gostem de algo, o fazem porque “é festa, então pode”? Se acreditam que “se é festa vale tudo, o que importa é rir e se divertir”? Como vão, novamente, se posicionar eticamente, se acreditam que qualquer tentativa de resgate de valores “é querer dar aula de moral” e que defender seus valores em todas as circunstâncias (e, portanto, não fazer algo que não gosta só porque tá todo mundo fazendo) é ser um moralista conservador?

Como vão fomentar qualquer tipo de debate, se acreditam que “cada um faz o que quiser da sua vida e ninguém pode criticar nada”? Como vão valorizar a subjetividade, se acreditam que “tudo bem fazer o que não gosta se for pra ser aceito no grupo”?

Isso tudo me leva a ter certeza de algo que já suspeitava: o senso crítico é um dom, e não se aprende em curso nenhum.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Geração anos 90

Em muitas coisas a sociedade está evoluindo, isso é um fato. Alguns aspectos ficam melhores geração após geração; outros, ficam piores. Na realidade, cada geração tem suas peculiaridades, e cabe a cada um pesar os aspectos bons e ruins de cada uma.

Percebo, no entanto, muitas faces desanimadoras da geração que chamo de anos 90. Refiro-me aos adolescentes que estão hoje com 19, 15 anos, cuja faixa etária corresponde a um período de internalização de valores e de intenso consumo. Geração anos 90 é, portanto, o grupo dos que são hoje adolescentes e que tão logo serão adultos.

Muitos parecem ser os lemas dessa geração, mas um muito característico parece ser o de que “não dá nada”. Quantas vezes vocês já não ouviram essa frase de um adolescente? Se a mãe diz: “vá estudar, você tem prova amanhã!”, eles respondem: “ah, não dá nada!”. Se a educação sexual lhes garante que deve-se usar preservativo nas relações sexuais, eles pensam: “ah, não dá nada!”. Se o ideal é não jogar lixo no chão, eles jogam com o pensamento de que “não vai dar nada”. Se o som está alto e o vizinho pode estar incomodado, eles dizem com desdém “não dá nada”.

E isso remete a um outro lema: “o que importa é se divertir”. Na realidade, acho que este é o fundamento do lema “não dá nada”. São tempos de se viver o momento intensamente sem pensar nas conseqüências. O que importa é o eu. O que importa é o que isso traz de bom para si. Se para se divertir eles tiverem que incomodar o vizinho, eles incomodarão. Se para curtirem uma festa com os amigos eles tiverem que deixar certos valores na porta, eles o farão.

A geração anos 90 é, também, a geração das incoerências. Nunca uma geração levantou tanto a bandeira da não-violência, mas fumam um “baseadinho” nos finais de semana, como se isso não provocasse as mortes e a violência que o tráfico faz emergir. Atacam a cultura de “junk food”, boicotando redes como Mc Donald´s, mas tomam anabolizantes e complementos nutricionais totalmente industrializados para potencializar o resultado da academia. Se afirmam como “geração saúde”, mas tomam ecstasy na balada. As mulheres nunca almejaram tanto o trabalho e a independência financeira, mas o primeiro dinheiro que começam a ganhar, juntam para pagar uma cirurgia plástica. Ou gastam praticamente todo o salário mensal em shopping e salão de beleza. Nunca uma geração compartilhou tanto do sentimento anti-imperialismo norte-americano, mas cada vez mais o Brasil se torna cópia dos Estados Unidos, sendo isso claro no que se refere aos padrões de beleza e de comportamento. Escrever errado não é motivo de vergonha para eles; vergonha é ter uma barriguinha. Passar em 1º lugar no vestibular é legal, mas motivo de orgulho mesmo é conseguir ser capa da Playboy. Seguir religiosamente alguma coisa? Só os rituais de beleza.

Um terceiro lema, talvez o mais preocupante, é o de que “cada um sabe o que faz da sua vida”. Eles realmente acreditam que cada um faz o que quiser e ninguém pode meter o bedelho na vida de ninguém. É preciso ter liberdade, é verdade, mas a vida em sociedade se faz possível, primeiramente, pela renúncia de certos instintos individuais que seriam prejudiciais à vida em coletividade. Em segundo lugar, toda ação individual traz conseqüências para a sociedade, por mais pífia que seja esta atitude. Em terceiro, nossos comportamentos e personalidades são moldados pela convivência com os outros. É comum mudarmos de idéia, de valores, de opinião e de atitude porque alguém nos deu um toque que não estávamos na linha certa, ou porque alguém, discordando de nós, nos deu uma luz para refletirmos sobre nossos comportamentos, o que nos faz mudar. Mudar e evoluir. “Meter o bedelho” na vida dos outros às vezes é necessário, nós muitas vezes aprendemos com isso.

Esse lema, ademais, dá margem para o próximo lema: “libera geral!”. Já que cada um está liberado para fazer o que quiser e ninguém pode criticar nada, é proibido ter qualquer preceito moral. A palavra moral assusta. Moral é coisa do passado. Moral, para a nova geração, é sinônimo de moralismo, é coisa de gente careta que acha que pode apontar o dedo pros outros dizendo o que é certo e o que é errado. Ninguém mais pode fazer isso hoje. Criticar qualquer coisa é ser um moralista conservador. Tudo se justifica pela diversão e pelo dinheiro. “Se dá uma boa grana, por que não?!” é o que eles pensam. O senso crítico se dissipou faz tempo, afinal, ter senso crítico é refletir, questionar, criticar. E criticar é proibido. Tem que se aceitar tudo, caso contrário, você é um moralista conservador.

A permissividade exagerada, seja na vida real ou na mídia, é vista com extrema naturalidade, afinal, é a geração dos que, quando crianças, assistiram Banheira do Gugu com os pais nos domingos à tarde. É a geração das meninas que com cerca de 7 anos de idade dançavam “na boquinha da garrafa”, enquanto suas mães achavam a “brincadeira” extremamente simpática e inocente. É a geração das meninas que tiveram Tiazinhas e Feiticeiras como exemplo de mulheres de sucesso.

É a geração do consumismo, do culto neurótico ao corpo, da valorização de coisas superficiais e passageiras. É a idolatria de pessoas vazias. É o ter para ser. É a geração que se entusiasma mais com a votação para o paredão do Big Brother Brasil do que com as votações políticas. É ter como objetivo de vida uma oportunidade de fama na televisão, seja por que motivo for.

Seria fácil e cômodo, todavia, culpar esses adolescentes pelo cenário cultural que temos hoje. Entretanto, eles são apenas reforçadores de uma cultura que fora construída aos poucos por outras pessoas: a geração de seus pais.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Gripe suína é a bola da vez


Eu sempre percebi que as pessoas são marionetes da mídia, mas achava que essa condição se referia principalmente aos padrões de normalidade, beleza e música. Com essa história de gripe suína estou vendo que a condição de fantoches a que a sociedade está submetida vai muito mais além.


Tá certo, existe um vírus novo e mais de 200 pessoas já morreram no Brasil. Mas não é qualquer resfriado que te coloca na lista de pessoas com a nova gripe. Na esmagadora maioria das vezes, a gripe é apenas uma gripe comum. Eu mesma peguei uma gripe lazarenta semana passada, e sabia que não havia motivos para me desesperar. Não deu outra: ela já passou e eu estou aqui, vivinha da Silva.


As pessoas não saem mais às ruas, andam de máscara, passam neuroticamente álcool em gel nas mãos de 5 em 5 minutos, se afastam atemorizadas de quem dá a mais tímida tossida, como se fosse sair um alienígena da boca da pobre coitada da pessoa que tossiu. Se disserem no Jornal Nacional que comer cocô faz bem pra gripe, as pessoas vão comer.


E isso tudo tem a ver com ser fantoche da mídia simplesmente porque as pessoas só estão neuróticas em relação a essa nova gripe porque é a televisão que está colocando na cabeça delas que elas devem ficar neuróticas com isso. Existem muitas outras doenças muito piores que a gripe suína e ninguém tá nem aí. Ninguém ta nem aí porque não tá passando na televisão no momento.


O câncer de pulmão causa muito mais mortes e mais sofrimentos aos pacientes, e milhares de pessoas estão por aí fumando adoidado e, pior ainda, obrigando os não-fumantes a fumar passivamente. A AIDS é uma epidemia muito mais alarmante, e tá todo mundo transando com todo mundo sem camisinha, com aquele discurso narcisista de que “comigo não vai acontecer” ou, pior ainda, “eu confio nele”.


Se prevenir da gripe suína é preciso. Não há dúvidas. Tomar as medidas necessárias (e sensatas) como lavar sempre as mãos, não passar a mão nos olhos, deixar os ambientes ventilando, etc, é uma necessidade real. E a televisão está certa em mostrar isso para as pessoas. Mas o que não está certo é as pessoas só lembrarem das doenças (ou de qualquer outra coisa) quando falar delas estiver na moda. Não é porque é a gripe suína a manchete da vez que temos que pensar que ela é a única doença que existe no momento. Não podemos esquecer que existem muitas outras doenças, de prognósticos muito piores. Devemos nos vigiar, portanto, para não cairmos na tendência de só nos lembrarmos ou de só refletirmos sobre coisas depois que passar um especial sobre elas no Fantástico.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

O preço da diferença

      


     Vivendo numa sociedade que dita padrões, valores, gostos, opiniões, dentre tantas outras coisas, as pessoas que são diferentes sabem o preço que devemos pagar por isso. Sempre tive uma personalidade transgressora, crítica, desvinculada dos padrões vigentes. Por isso desde criança senti na pele a angústia que é se sentir um peixe fora d´água no seu próprio mundo. Vários são os exemplos pessoais que posso dar para ilustrar isso.

       Por exemplo: a minha geração viveu o ápice da idolatria à Xuxa. Eu gostava dela, mas preferia a Mara Maravilha. E acho que o maior motivo dessa “transgressão” era porque eu não me identificava com a Xuxa porque ela e todas as paquitas eram loiras (a Mara era morena). É claro que naquela época esse motivo era inconsciente e eu não fazia idéia de como uma simples cor de cabelo podia agir como um símbolo de identificação. A questão é: as meninas loiras que adoravam a Xuxa se identificavam com ela porque captavam inconscientemente um símbolo que as tornava parecidas; as morenas, por outro lado, não apenas continuavam gostando da Xuxa, apesar de se sentirem diferentes dela, como sentiam emergir o sentimento de querer ser loira. Eu, percebendo que tinha traços que impediam minha identificação plena com a Xuxa, fui atrás de outro objeto de identificação, um que corroborasse com quem ou como eu era. As outras meninas, por sua vez, faziam questão de continuar vinculadas àquele objeto, mesmo que para isso tivessem que “se mudar”, mudar sua personalidade, mudar seu físico, para ser como o objeto que lhes era sugerido como identificatório.

       Outro fato: quando eu tinha 12 anos, enquanto as meninas da minha idade ouviam Só Pra Contrariar, eu estava curtindo meu CD do Pantera. Com 13, enquanto as meninas da minha idade liam revista Capricho ou Corpo a Corpo, eu lia a Rock Brigade. Com 17, eu planejava quantos cursos e quantos estágios eu faria durante minha vida acadêmica para me tornar uma profissional bem sucedida, enquanto tantas outras colegas já “namoravam pra casar”. A angústia delas em relação à profissão era pouca, já que não era a prioridade. A prioridade delas era, isso sim, encontrar aquele príncipe encantado que sempre prometeram que nós encontraríamos, e o resto.....bem, o resto era resto.

       Já cansei de ouvir coisas do tipo “você é muito branca”, “você é muito magra”, “você devia passar um batonzinho”, “mas como você foi à praia e não está bronzeada?”, “mas como você não gosta dessa música?Está tocando direto!”, “você tem que usar salto alto”, etc. Em outras palavras: “você tem que ser igual a mulher da capa da revista Boa Forma e ouvir o que toca nas rádios”.

       A mulher que não é fútil, que não é caça-marido, que não acredita que a beleza é a maior fonte de realização pessoal é taxada de lésbica. O homem que não gosta de futebol, que não acredita que tem que pegar o maior número de mulheres possível é taxado de viado. A mulher que não está pensando em fazer nenhuma cirurgia plástica é otária. A pessoa que não assiste novela é estranha. A pessoa que não gosta de perder tempo com conversas inúteis (lê-se: que não suporta papo de futebol, papo de novela e BBB) é chata. A pessoa que não gosta das músicas (enlatadas) que estão tocando nas rádios no momento é esquisita. A mulher que vai à praia e não fica torrando que nem um frango assado pra ficar bronzeada a todo custo é burra. A pessoa que não gosta de dançar tem que ficar se protegendo das pessoas que ficam tentando a arrastar pra pista de dança, já que "quem não dança é chato". O homem que se depila é bicha.

       Como mencionei no início do texto, sempre tive uma personalidade transgressora, então nunca senti a necessidade que as pessoas sentem de ter que ser aceita no grupo a qualquer custo. Eu sempre fui do jeito que me sentia bem sendo. Mas se assumir diferente não é fácil, causa angústia. No meu caso, eu não tive outra opção. Eu sou diferente e ponto final. Se a angústia é a conseqüência inerente a essa opção, não há como eu fugir dela. E uso aqui o termo angústia com uma representação semântica ampla para designar vários sentimentos: raiva, solidão, medo, vergonha.
       Só para ilustrar, me irrita ver as gurias super empolgadas por causa de um show da Ivete Sangalo. Me sinto sozinha por não poder conversar sobre as bandas que eu ouço com nenhuma mulher, já que elas nem sequer ouviram falar em nada do que eu curto (os homens geralmente conhecem as bandas que menciono); me enoja papo de novela; sofro andando horas à procura de um sutiã sem enchimento (leia isso); me entristece ver que sempre estou sozinha nadando no mar, apenas com homens e crianças, já que todas as mulheres não podem perder um minuto de torração no Sol; me cansa ouvir comentários que eu deveria usar batom e roupas coloridas, e ver que as gurias saem na rua parecendo a Emília do Sítio do Pica-Pau Amarelo de tanta maquiagem e esse ser o padrão de normalidade.

       O problema é que percebo que pouquíssimas pessoas têm essa coragem de enfrentar a angústia que decorre do fato de ser diferente. Muitos homens que gostam de namorar por longos períodos acabam cedendo à pressão dos amigos para ser “O pegador”, pra encarar a mulher como um pedaço de carne, mesmo não se sentindo bem com isso. Muitas mulheres arriscam ficar com câncer de pele se expondo ao sol exageradamente “porque é pecado ir à praia e não voltar bronzeada”. A mulher que vê todas ao seu redor determinadas a fazer uma cirurgia plástica, por mais que não haja nada de errado com ela, acaba pensando “e o que eu estou esperando pra fazer também?Se todo mundo está achando que precisa, então eu também devo precisar de uma plástica”. Se a programação na televisão está um lixo, é mais fácil continuar assistindo sem questionar, porque dá trabalho ficar procurando por um programa mais interessante. Muitos homens sentem vontade de depilar o peito (e, se isso for servir de incentivo a alguém, eu odeio peito peludo) mas têm vergonha ou medo de pensarem que eles são gays, então preferem continuar se achando inadequados e suando desnecessariamente (sim, o pêlo faz suar mais).

     Ser diferente e se assumir de tal forma provoca angústia. Isso é um fato. Mas ser diferente e tentar se enquadrar a todo custo aos padrões impostos também provoca angústia. Mas esta segunda forma de angústia, infelizmente, parece ser a opção preferida pela maioria das pessoas. Isto é, parece ser menos doloroso carregar consigo uma angústia por ser diferente mas tentar se encaixar nos padrões, do que conviver com a angústia de ser diferente e se assumir assim.



       Ser diferente e aceitar essa angústia, ou ser diferente e tentar se igualar a todo custo, vivenciando também a angústia: eis a questão.