segunda-feira, 4 de julho de 2011

"Insensato Coração": uma luz no fim do túnel?

       Antes de mais nada eu gostaria de adiantar que não, eu não gosto e não assisto novelas (inclusive já escrevi um texto sobre elas). Sei que apesar disso muitos irão pensar que estou mentindo, principalmente quando eu disser que vi alguns momentos de “Insensato Coração”, o que me permitirá tecer comentários sobre a trama. Apesar disso, eu não a acompanho pois tenho nojo de novelas. É que quando eu realmente reprovo alguma coisa, passo a ter nojo.

       É como comer carne, por exemplo (isso rende um post específico e caloroso, aliás). Parei de comer há mais de 5 anos e hoje sinto nojo de carne. Embora haja muitos motivos para defender que devemos ser vegetarianos (e explanarei sobre todos quando o post sobre isso sair), para mim um bastou: o sofrimento dos animais. É impossível assistir “Terráqueos” e não querer virar vegetariano – nem que seja por uma semana. A questão é: o objetivo de não comer carne (não abater os animais) está tão interiorizado em mim que eu deixo de comer não porque eu não possa, mas porque eu não consigo. Mesmo eu podendo comer carne (“teoricamente” eu posso, não posso? ) eu não quero porque me dá nojo, já que associei ao sofrimento animal. Às vezes, ao contrário, deixamos de fazer algo que não é lícito –seja por que motivo for – apenas porque não podemos (restrição por alguma norma ou lei), mas no fundo desejamos fazê-lo. Por exemplo: eu só não saio por aí com duas agulhas furando o peito de plástico das mulheres fúteis porque eu seria presa (Sim, por isso). Quando realmente interiorizamos que não devemos fazer determinada coisa porque não é legal, entretanto, deixamos de fazer mesmo tendo a possibilidade e a permissão.

       A questão de assistir novela funciona sob a mesma lógica. Por mais que eu pudesse assistir, eu não assistiria. Não é que eu não possa, é que eu não consigo. Eu não consigo assistir a nada disso sem ficar extremamente irritada e enraivecida diante dos valores absurdos que são difundidos. Confesso até que, uma vez, ano passado ou talvez retrasado, tentei dar uma chance e assisti a alguns minutos de uma novela que não sei o nome. É claro que meu esforço foi em vão: eu peguei justamente uma cena em que a personagem da Cristiane Torloni espancava (!) a amante de seu marido, chegou em casa contando a aventura (!!) para sua empregada, contente que “agora ela não mais iria se engraçar pra cima do marido dela”, sem fazer absolutamente nada com o próprio marido (!!!), como se a culpa fosse só da amante e não do cara, marido dela (!!!!), que também fazia parte do caso (!!!!!).

      Não, não adianta tentar me convencer que eu sentei na frente da televisão na hora errada e no dia errado. Eu sei que as histórias sempre giram em torno desses mesmos valores porcos: os caras são sempre “fodões” bem sucedidos que comem todas (e as mulheres que fazem o mesmo são “vadias”); as mulheres são constantemente traídas, sabem disso e aceitam na maior submissão; as ricas (ou melhor, nunca existem mulheres ricas por si só. As mulheres sempre ficaram ricas porque casaram com homens ricos, o que é bem diferente) são sempre dondocas que vivem no shopping com as amigas igualmente dondocas; apenas as pobres trabalham, afinal, pras pessoas machistas (mulheres inclusas), mulher só trabalha quando “precisa” (leia-se “quando não casou com homem rico”); etc. Até podem ter mulheres que trabalham e são bem sucedidas, mas notem que é sempre numa profissão considerada “feminina”, e quase sempre ligada à moda. Isso sem falar nas enormes mansões, nos atores que fisicamente em nada se assemelham ao povo brasileiro, nas pessoas que são riquíssimas sem se ralar no trabalho, que mais nos faz pensar que estamos vivendo na Suécia.



       Por mais que eu tente viver no meu mundinho paralelo, alheio à toda podridão do mundo lá fora, algumas coisas acabam chegando até mim. Por exemplo, eu vou ao supermercado, então inevitavelmente me deparo com as revistas da estante do caixa rápido (“os segredos do corpão de [nome da atriz do momento]!”, “o chá que faz perder barriga!”, “o que rolou na ilha de Caras!”,”o que vai acontecer na sua novela preferida!”); eu ouço conversas na rua e nos estabelecimentos (“quem você quer que ganhe o BBB?”, etc); freqüento consultórios médicos; divido casa com mais gente e vou na casa de outras pessoas. Enfim, a televisão e as revistas estão em toda parte e por isso sempre acabo sabendo mesmo o que não quero.

       Tendo isso em vista, sei de muita coisa que aconteceu em "Insensato Coração" e já presenciei cenas que me chamaram atenção justamente por romper com os padrões até então vistos. Por exemplo: notei que nessa novela o estereótipo de mulher fútil é, por vezes, ridicularizado. Bem no começo da novela, o personagem de Antônio Fagundes disse a sua esposa que queria se separar pois "não a respeitava e não a admirava porque ela era fútil, não fazia nada na vida e quando engravidou só se preocupava com como aquilo iria estragar seu corpo".



       A personagem da Débora Secco, apesar de retratar um tipo de mulher que se dá bem no Brasil, é ridicularizada e criticada até por seus familiares e amigos. Seus recorrentes ensaios nus, além disso, são sempre retratados na trama como um ato de desespero de uma pessoa sem talento. Ela não é levada a sério por ninguém, e sua personalidade é bem marcada pelos traços da burrice, vulgaridade e interesse financeiro, o que é bem diferente da forma como a mídia anuncia as “Natalies” da vida real: muitas ex-BBB’s são tratadas como “mocinhas”, verdadeiras “namoradinhas do Brasil” (posto que Regina Duarte ocupara nos anos 70). O próprio intuito da criação deste personagem, ao meu ver, é justamente escarnecer este papel social bizarro. Ademais, o próprio personagem de Herson Capri a humilhou, certa vez, dizendo que “era preciso muito mais que um par de peito de silicone para fazer uma mulher de verdade”. Ora, quando que isso já foi dito alguma vez na televisão? A mensagem que sempre passam é justamente a contrária, de que basta ter peito de plástico para ser mulher!

A Natalie fictícia não recebe o carinho e o respeito que as
Natalies da vida real, apadrinhadas da Rede Globo, recebem.


       Uma das personagens mais ricas da trama é uma mulher (a personagem de Nathália Timberg), embora eu tenha um leve pressentimento de que ela herdou tudo de um marido, o que acabaria com minha alegria (alguém saberia confirmar isso?). O personagem de Gabriel Braga Nunes, inclusive, planejava casar com a personagem da Paola Oliveira apenas por dinheiro. Ora, quando que um personagem masculino seria retratado dessa forma? Por mais que os homens sejam ambiciosos, sempre desejam se sentir mais poderosos que a mulher, o que inviabiliza se casar com uma mulher rica por interesse. A personagem de Bruna Linzmeyer, além disso, é uma jovem determinada a encontrar prazer sexualmente, mesmo que isso signifique andar na contramão do que espera de uma “boa moça”.


       Não posso me animar demais porque muita mesmice ainda é repetida. Mas por alguns fragmentos que vi, acho que essa é a novela "menos pior" no que diz respeito à imagem da mulher. Não costumo ser otimista, principalmente no que se refere à televisão aberta brasileira, mas estou sentindo cheiro de mudança. Dessa vez, para melhor.