sexta-feira, 21 de maio de 2010

A escassez de (bons) formadores de opinião na mídia


É fato que, pelo menos no Brasil, a televisão é a maior formadora de opinião da sociedade. Em nosso país, via de regra, as pessoas se apropriam do mundo (e com esse conceito me refiro à construção dos valores, opiniões, gostos, padrões de comportamento, etc) pelo que assimilam através da televisão. Isso não é, em tese, necessariamente ruim, já que a televisão pode sim –quando interessa aos grupos de poder que controlam a mídia- ser usada como um instrumento para intelectualizar, conscientizar e agregar valor à população. O problema é que, na prática, o que acontece é justamente o oposto disso.


Estou ciente de que isso acontece em outros países também, seja em maior ou menor grau, e até nos mais desenvolvidos. Nos Estados Unidos, por exemplo, existe um canal chamado VH1, que é transmitido pela NET. Devo admitir que fiquei bem consternada com certos programas que eles veiculam que se assemelham muito com programas decadentes e apelativos que temos aqui. A despeito disso, até mesmo neste canal (que é demasiadamente nauseante pelo motivo que citei acima), são veiculados programas que, por mais simples que sejam, conseguem ser infinitamente superiores às melhores atrações brasileiras, principalmente no que se refere à música. Já assisti, neste canal, alguns programas de música tão bons que até eu, que, modéstia à parte, conheço muito de música, descobri novas bandas excelentes que até então não conhecia.


Aqui no Brasil, em contrapartida, é sempre aquela mesmice padronizada. Os mesmos estilos de música sendo veiculados, a “bundalização” de tudo, os atorezinhos todos idênticos (na forma de atuar, no tipo físico e nas opiniões) que só o nome muda, a mesma “rasgação de seda” em cima de todo mundo, todos sempre concordando com tudo, tudo sempre ”está sendo uma experiência maravilhosa”, e blá blá blá. Ninguém diz algo diferente, ninguém pensa diferente, ninguém se posiciona de maneira diferente aos demais sobre o que quer que seja. Algumas declarações, pior do que serem neutras, chegam a ser negativas. Darei aqui alguns exemplos.


Certo dia, há uns 3 meses, vi que estava passando “K9”, aquele filme do cachorro do James Belushi. Alegre, precipitei inocentemente o seguinte pensamento: “que legal, então o mundo ainda não está tão perdido assim, as crianças ainda podem ver televisão sábado à tarde. Se tiver uma criança assistindo televisão agora, está presenciando um raro momento de entretenimento sadio e inocente, avesso aos habituais lixos irresponsáveis e gratuitamente sexualizantes”. Ironicamente, no intervalo do filme apareceu uma vinheta do Big Bosta Brasil (isso mesmo que você leu: Big BOSTA Brasil) e uma repórter perguntou ao Rubinho Barrichello o que ele tinha achado de sua visita à zona. Ops, desculpem o ato falho, quis dizer a casa.


Para não perder o costume de concordar com tudo e dizer que tudo é maravilhoso, ele respondeu: “Foi uma experiência maravilhosa” (!)- comecem a reparar como essa frase é incansavelmente repetida - "pois eu assisto o programa há tanto tempo que fiquei até emocionado de conhecer aquelas pessoas pessoalmente”. Eu levei alguns segundos para assimilar o fato de que o que eu acabara de ouvir tinha realmente acontecido. Olhem a gravidade dessa declaração: ele não só está afirmando implicitamente que assistir BBB é legal (o que já é suficientemente preocupante), como está declarando que o ato de conhecer pessoas que não contribuem em nada para a sociedade, que não tem compromisso algum com a intelectualidade e que ainda fazem qualquer coisa por dinheiro – qualquer coisa mesmo - são sujeitos tão virtuosos ao ponto de ser emocionante conhecê-los pessoalmente.


Outra declaração absurda (esta eu descobri em um blog) foi da Débora Secco. Ela aconselhou publicamente sua amiga Juliana Paes, que iria casar, a fazer o papel de esposa “direitinho”. Nas próprias palavras dela: "Sou antifeminista. Vou ficar no pé dela para ser fiel. Acho que mulher tem que saber o que tem para o almoço e, mesmo cansada, ir jantar com o cara. Em troca, eles levam o carro para consertar (...) Sou mulherzinha, gosto de ficar em casa, cozinhar, servir, agradar. Acho péssimo a igualdade entre os sexos. A gente só saiu perdendo, ficou sobrecarregada."

Acho que pior do que a apologia à figura de Amélia, foi a associação do feminismo com infidelidade. Tal associação só deve fazer algum sentido na cabeça de pessoas que aprenderam o que é feminismo assistindo “Casseta e Planeta” e, por conta disso, têm a seguinte visão estupidamente estereotipada da mulher feminista: feia, masculinizada, peluda e petista.


Outro elemento incoerente da declaração foi o da mulher estar sobrecarregada após a revolução feminista. Isso acontece, realmente, mas só é vivido pelas mulheres que tiveram seus papéis ampliados – agora também são profissionais, gestoras, empreendedoras, etc - mas que, paradoxalmente, continuam fundamentalmente machistas: trabalham fora, mas acham que o dever de cuidar da casa continua sendo só delas. Continuam achando que homem não precisa saber cozinhar, trocar a fralda do bebê, nem lavar suas próprias cuecas. A mulher que acredita que seu marido tem o direito de não fazer nenhum trabalho doméstico, já que “é homem”, certamente está muito sobrecarregada. Mas isso não é culpa do feminismo, como a atriz defende. É, ao contrário, culpa do machismo que continua enraizado. Os horizontes da mulher se ampliaram, mas é preciso reforçar que não foi só o papel da mulher que mudou. O papel social do homem não pode permanecer intacto e deve acompanhar essas mudanças.


Outra declaração inconsistente foi da Fernanda Young. Já a comentei aqui, mas a situação convém repeti-la, já que é um conceito compartilhado por muitas mulheres, principalmente da mídia. Defendendo o direito de posar nua, ela afirmou: "Queria fazer algo contrário da proibição, da burca. O erótico faz parte da liberdade feminina. Triste é o país que não permite a nudez da mulher".

O machismo e a imagem da mulher como objeto está presente em muitos comportamentos que as pessoas acreditam, equivocadamente, ser "liberdade sexual feminina". Uma cultura (como a brasileira, por exemplo) que defende o lema “posar nua como trabalho integrante e imprescindível do currículo profissional” é tão machista quanto uma cultura que impõe que a mulher não deve nem mostrar o rosto. Apesar de pregarem justamente o oposto uma da outra, compartilham o mesmo fundamento: ver o corpo feminino como mercadoria.


É claro que sou a favor da liberação sexual da mulher. Mas isso, ao contrário do que muitos erroneamente pensam, é justamente conquistar o direito - e sobretudo, a consciência- de que nosso corpo não deve ser usado como instrumento para o sucesso. Muito do que se está pregando como "liberação sexual da mulher" (como a moda de posar nua como trabalho esperado no currículo profissional, como citei) é, justamente, objetificação da mulher. Nunca vi os homens precisarem posar nus para terem sua sexualidade respeitada, para se manterem na mídia ou para terem seu trabalho artístico reconhecido. Logo, não há motivo para acreditar que isso se configura como liberação sexual no caso das mulheres. Isso em nada pode ser libertador. Ao contrário: só aprisiona a mulher em sua condição de objeto consumível.


Outra declaração infeliz, que me foi informada por outra pessoa que estava assistindo MTV no momento, foi da VJ Kiká. Mostrando fotos da cantora Lily Allen, ela comentou: “podemos ver que ela tem uma barriguinha...”. Os outros VJ’s não só concordaram, como fomentaram a discussão em cima da “reprovável” saliência abdominal da moça. Isso foi bem preocupante, principalmente levando-se em consideração que o canal é assistido majoritariamente por adolescentes, ou seja, pessoas que estão passando pelo momento da vida em que são construídos os valores e é formada a identidade. Esse comentário, aliás, confirma o que mencionei em meu texto “Geração anos 90”: vergonha, hoje, é estar acima do peso, ter uma barriguinha, ter seios pequenos, não ter um tênis de R$ 500,00. Escrever português errado, se orgulhar de nunca ter lido um livro, desrespeitar professores, dentre outras coisas execráveis, não causam vergonha.


Citei poucas declarações (até porque não assisto televisão e não leio revistas sobre famosos, então não estou colecionando declarações de celebridades), mas acredito que elas tenham sido suficientes para o leitor ter uma noção do que quero dizer. Além disso, as frases que citei se referem apenas ao temas que este blog abarca. Imaginem, então, se considerarmos a falta de bons formadores de opinião em outros aspectos, como política, economia, meio ambiente, sistema educacional, etc. Também há que se considerar o fato de que estou levando em consideração apenas as declarações verbalmente explícitas. Se eu estivesse me referindo a atitudes (pois atitudes são o espelho dos valores da pessoa e, portanto, comunicam opiniões tanto quanto os discursos), a lista ficaria exponencialmente maior.


Pouquíssimos, dentre os que estão na mídia, pensam diferente. E dentre os já poucos que têm opiniões transgressoras sobre alguma coisa, raros são os que as expõem. Por medo. Medo de não mais ser chamado para dar entrevista no Domingão do Faustão, medo de não mais estampar a capa da Revista Caras, medo de se indispor com as colegas do elenco da novela, medo de perder fãs. Medo, portanto, de fazer a diferença.


Nunca ouvi ninguém na mídia fazendo uma declaração acertada sobre feminismo ou abordando devidamente questões que deveriam ser relevantes; nunca ouvi falar de ninguém que publicamente respondeu “eu não assisto essa porcaria” à repugnante e habitual pergunta “quem você acha que vai para o paredão essa semana?”; nunca vi ninguém criticar a atitude de ninguém, por mais reprovável que tenha sido tal atitude; nunca ouvi ninguém declarando que musicalmente gosta de algo que seja substancialmente diferente do repertório da trilha sonora da novela em exibição no momento; nunca soube de ninguém que se recusou a se apresentar em algum programa escroto de auditório por não simpatizar com o conteúdo do mesmo; nunca soube de ninguém que declarou não gostar de funk (pelos motivos que deveriam ser óbvios, como sexualização infantil,incentivo à pedofilia, apologia ao tráfico de drogas, etc); nunca vi ninguém se declarar contra o uso de peles de animais e trazer esse assunto seríssimo à tona; nunca ouvi uma sequer pessoa recriminando os que jogam lixo no chão; nunca ouvi ninguém no showbiz se manifestar contra apelação sexual na televisão, ditadura da beleza, imposição nazista do silicone (sim, essa moda é fundamentalmente igual ao ideário de raça ariana do nazismo), etc. Aliás, minto. Carolina Dieckmann se posicionava contra a moda imposta do silicone, mas ela mesma colocou próteses há poucos meses.


No Brasil impera a paspalhice, ou seja, uma tendência de não questionar nada, de não discordar de nada e, sobretudo, de não tomar atitudes transgressoras em relação à nada. Como o princípio “a televisão imita a vida real” se inverteu há algum tempo (hoje a vida real é que imita a televisão), não é difícil intuir que o que as pessoas na mídia estão promovendo – nada além de conceitos equivocados, futilidades, idéias, gostos e comportamentos padronizados- é o que está se dissipando dentre a sociedade em geral que, como comentei, tem na televisão sua maior fonte de formação de opinião. Se a esmagadora maioria da população ouve as mesmas músicas, pensa e se comporta de forma mediocremente semelhante, é porque ninguém está ensinando a ser crítico, não há referências para agir e pensar de modo diferente. Todos que estão expostos na grande mídia em geral (televisão, revistas, jornais) são formadores de opinião. O que está em falta, porém, são pessoas que comecem a exercer esse papel de forma positiva.


Para concluir minha explanação de uma forma otimista, cito, como alguns dos pouquíssimos formadores de opinião crítica, Pedro Cardoso (lembram da polêmica que ele causou ao denunciar a nudez desnecessária que os diretores, “perversamente”, segundo ele, exigiam das atrizes?), Lya Luft (ela aborda algumas questões que eu discuto, embora eu acredite que ela devesse fazê-lo mais incisivamente), Regis Tadeu (grande, coerentíssimo e destemido crítico musical), Lobão (critica publicamente muitas políticas governamentais e é assumidamente contra o jabá, e não tem medo de criticar nem mesmo seus colegas por sempre terem sido coniventes com essa prática) e Herbert Vianna (escreveu um poema espetacular sobre ditadura da beleza e inversão de valores). Estes são os que tenho em mente, mas não me perdoaria se tivesse esquecido de mencionar alguém do mesmo nível. Alguma sugestão?