terça-feira, 1 de setembro de 2009

Resgatando a importância do feminismo



É imprescindível tentar resgatar a importância do feminismo, haja vista que, para muitos, ele é um movimento desatualizado e atualmente desnecessário. Consultando o dicionário, temos que feminismo significa “movimento que preconiza a ampliação legal dos direitos civis e políticos da mulher, ou a equiparação dos seus direitos aos do homem”. Ora, para a maioria, tal condição parece ter sido suficientemente conquistada, não havendo mais a necessidade de se lutar por essa igualdade, uma vez que, supostamente, ela já teria sido alcançada.

De fato, juridicamente falando, a situação da mulher parece adequada. Na realidade, foi a Constituição Federal de 1988 que consolidou a igualdade legislativa entre os sexos. Nas Constituições anteriores, formas de discriminação contra a mulher eram instituídas legalmente. Por meio de restrições às mulheres nas relações sociais, políticas, maritais e trabalhistas, diversas leis brasileiras visavam manter a estrutura patriarcal e a conseqüente negação da mulher como um ser plenamente ativo socialmente.

Dentre as restrições impostas às mulheres até a promulgação da Constituição de 1988, destacam-se: a proibição de realizar horas extras, trabalho noturno, insalubre, com periculosidade, em postos de gasolina e em subterrâneo de minas; ao homem era destinado o exercício do pátrio poder, permitindo tal exercício a mulher apenas na falta ou impedimento do marido; se houvesse discordância entre os cônjuges prevalecia a vontade paterna; a mulher assumia, pelo casamento, a condição de auxiliar nos encargos da família; à mulher eram vedados certos atos sem a autorização do marido, como, por exemplo, exercer profissão; alienar os imóveis do seu domínio particular, aceitar ou repudiar herança ou legado; era reservado ao marido a chefia da sociedade conjugal, a representação legal da família e o direito de fixar o domicílio desta. Foi somente na Constituição de 1988 (pasmem!) que foi excluída a lei que autorizava o marido a anular o casamento se descobrisse que sua esposa não era mais virgem (!), bem como a lei que concedia ao homem a imunidade criminal diante dos “crimes passionais em defesa da honra”, ou seja, o marido traído gozava de um julgamento atenuado se houvesse matado sua esposa em caso de infidelidade desta. Vale ressaltar, ainda, que o direito feminino de votar entrou em vigor apenas na Constituição de 1934.

Tais preceitos, hoje, soam extremamente absurdos, mas deixaram de assumir a forma de lei há apenas duas décadas. Para nossa Constituição atual – felizmente – homens e mulheres, perante a lei, têm os mesmos direitos e deveres nos diversos âmbitos da sociedade. Diante disso, pensar que a igualdade entre os sexos já foi plenamente alcançada é muito cômodo e consiste num equívoco sedutor em que muitos incorrem. Com isso em vista, não é raro ouvir que o feminismo é desatualizado e que não é mais necessário.

Na atualidade pragmática, todavia, o machismo impera. Porém, adquiriu predominantemente uma forma simbólica de se instituir. No mundo corporativo, por exemplo, os homens ainda têm preferência diante das funções de poder, uma vez que ainda prevalece a divisão sexual dos papéis, segundo a qual às mulheres é destinado o papel principal de criação e dedicação aos filhos. Embora a permissão da isenção do papel paterno tenda vagarosamente a desfazer-se, os homens ainda são os escolhidos para atuarem em funções que os exigirá maior tempo longe de casa. As mulheres, portanto, continuam relegadas a funções que exijam menos tempo fora do âmbito doméstico.

Ainda no mundo corporativo, são freqüentes bajulações sobre os clientes em que a eles são oferecidos até mesmo mulheres e sexo, o que demonstra como está institucionalizada a idéia de que a mulher é um objeto consumível. Assédios sexuais dentro das empresas, ademais, não são pouco freqüentes. Salários menores ainda são oferecidos às mulheres, pois julga-se que elas podem ganhar menos, principalmente as casadas, uma vez que ainda é plenamente aceitável a subordinação da mulher a seu cônjuge.

As mulheres das gerações mais recentes crescem diante do pressuposto de que uma mulher deve trabalhar e ter sua independência financeira, mas continuam arraigadas a valores patriarcais de acordo com os quais a participação financeira feminina restringe-se a superficialidades, cabendo ao homem, principalmente, bancar as despesas fundamentais do ambiente familiar. Isso as configura apenas como contribuintes, e não como efetivas partícipes do orçamento familiar.

Na televisão, o corpo feminino é mercantilizado nas situações mais gratuitas. A mulher é promovida como objeto sexual de uso e desuso, como um sujeito que se define plenamente apenas por sua sexualidade. A imagem feminina retratada na mídia é preconceituosa, menosprezante e machista. É preconceituosa porque promove e privilegia apenas uma etnia e um biotipo. É menosprezante pois reduz a mulher unicamente a seu corpo e sexualidade, relegando à segundo plano (ou nem mesmo considerando) suas qualidades intelectuais. É machista porque institui que, para uma mulher, a beleza é a maior e/ou única fonte de inserção social.

A mídia a todo momento incentiva as mulheres a sentirem-se inadequadas consigo mesmas ao impor um padrão de beleza único e inquestionado. Ela faz com que as mulheres acreditem na necessidade de negar sua individualidade, seu físico, e até sua etnia para atender às exigências estéticas que são impostas quase inconscientemente. Ela, dessa forma, não apenas age como uma afronta à auto-estima feminina, como, além disso, reforça o cenário cultural que mantém a estagnação social da mulher.

Existem ainda fortes regras machistas e patriarcais na atualidade. Entretanto, a peculiaridade de tais regras é que, ao contrário das regras legislativas que tínhamos pautadas nas Constituições anteriores à de 1988, hoje elas são invisíveis, não há um estatuto em que elas estejam escritas. Elas estão, fundamentalmente, instituídas nos nossos valores e comportamentos do dia-a-dia.

Há a necessidade de alertar a sociedade que machismo não é apenas proibir a mulher de exercer atividade profissional, subjugá-la sob um domínio doméstico violento ou restringir sua atuação político-social. O machismo está presente nos comerciais de cerveja; na mercantilização do corpo feminino para atrair ibope para os programas televisivos; na ditadura da beleza (que acomete quase que exclusivamente as mulheres); na primazia da estética, a qual se sobrepõe às qualidades intelectuais das mulheres; na percepção de que mulheres são brindes a serem oferecidos a quem merecer; na idéia de que as mulheres são apenas contribuintes do orçamento doméstico, e que elas podem eximir-se das responsabilidades a que aos homens são rigorosamente exigidas.

Analisando por este reluzente viés, torna-se evidente que a igualdade de gênero ainda não se solidificou, o que faz do feminismo, por conseguinte, um movimento tão atual e necessário como nunca.