quarta-feira, 7 de outubro de 2009

À menina de 14 anos

Eu publico todos os comentários que me deixam e, tentando ser o mais democrática possível, publico também as críticas que me fazem. Nestes casos, porém, eu publico a crítica em um novo post para poder responder. Essa atitude pode parecer um pouco arrogante, mas é que eu adoro debater e sinto uma vontade irresistível de responder, especialmente quando os argumentos são fracos e quando a pessoa se ocupa mais de criticar a minha pessoa do que minhas idéias.
Reservo esse post, portanto, para responder uma crítica que recebi sobre o texto “Pelo direito de me sentir bem com um sutiã P”. Eis a critica:

“Bom, tenho 14 anos e encontro facilmente nas lojas sutiã P, SEM ENCHIMENTO. Entendo q se vc acredita q usando um sutiã todos os dias com enchimento tera a sensação de q não vivera sem ele, é pq n esta segura de ser uma mulher com pouco peito.A impressão q tenho é q vc é revoltadinha pq n tem peito.Ja imaginou q existem mulheres q tem peitos grandes naturais e tb tem problema c sutiã?Alguma vez já se colocou no lugar de uma pessoa, deficiente fisico, q encontra dificuldades em se locomover pelas ruas de curitiba?Penso q não, pq percebo q seu questionamento a respeito da vida baseia-se apenas em situações q envolvam a estética.”
Bem, para não perder o costume, vamos analisar a crítica por partes.

“Entendo q se vc acredita q usando um sutiã todos os dias com enchimento tera a sensação de q não vivera sem ele, é pq n esta segura de ser uma mulher com pouco peito”.

Eu nunca disse que eu não uso sutiã com enchimento porque me dará a sensação de que não viverei sem ele. Eu disse que esse é um efeito inconsciente sobre a maioria das mulheres que não refletem sobre isso, mas o fato de eu particularmente não usar sutiã com enchimento é por outro motivo. Eu não uso sutiã com enchimento porque eu não aceito a imposição simbólica fundamentada nessa moda, segundo a qual “pra ficar bonita você tem que fingir que seu peito é maior do que realmente é”.

“A impressão q tenho é q vc é revoltadinha pq n tem peito.”

Acho que essa é a pior das falácias. Isto é, atacar o interlocutor apelando para suas características físicas, tentando encontrar, em tais características, a justificativa para ele pensar de tal maneira. Tentando, por esse viés, destituir de sentido o que foi dito. Além de ser uma falácia, é um julgamento arbitrário, pois analisam-se variáveis que deveriam ser imparciais em determinado contexto. Ou seja, esse argumento é arbitrário - e, por isso, inconsistente - porque supõe que, se eu sou contra sutiãs de enchimento ou silicone, “é porque não tenho peito”. Aí dizem: “ah, ela pensa assim porque não tem peito”. Agora, se uma mulher tem bastante peito e é contra o silicone, vão julgar: “que credibilidade você tem pra ser contra o silicone?Você tem peito, então não tem moral pra falar sobre isso”. Percebem? Tendo ou não tendo peito, esse argumento falacioso sempre suporá que quem é contra silicone ou sutiã com enchimento não tem respaldo para se posicionar de tal forma. Mais um exemplo: se sou contra o padrão de beleza imposto e não correspondo a esse padrão, vão dizer: “ela é contra porque é feia”. Agora, se sou contra esse padrão de beleza e me adequo perfeitamente a ele, vão dizer: “mas quem é ela para ser contra o padrão de beleza?Pra ela é fácil falar, ela é bonita, por isso não há crédito no que ela diz”. Em outras palavras, é o famoso “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”.

"Ja imaginou q existem mulheres q tem peitos grandes naturais e tb tem problema c sutiã?"

Com certeza, existem muitas mulheres que têm seios grandes e também têm problemas em achar sutiã. Mas aqui eu falo sobre as situações que eu experiencio, e o fato de eu não comentar sobre as situações difíceis pelas quais outras pessoas passem não quer dizer, em hipótese alguma, que eu não compadeça com a situação delas, tampouco significa que eu considere a minha situação pior. Eu estou aqui para falar das coisas que eu vivo, pelas quais eu passo. Eu adoraria conseguir escrever sobre todas as situações conflitantes pelas quais um ser humano pode passar, mas, infelizmente, minhas habilidades linguísticas restringem-se a conseguir escrever tão somente sobre as situações pelas quais eu passo. Resumindo: o fato de eu não abordar outras situações não significa, repetindo, que eu não compadeça com elas ou que eu não as reconheça como situações angustiantes. Significa, tão somente, que eu não escrevo sobre o que não passo.

“percebo q seu questionamento a respeito da vida baseia-se apenas em situações q envolvam a estética.”

Engraçado, todos os autores famosos, especialistas, palestrantes, pesquisadores, etc, limitam-se a versar sobre um único tema. Isto é, seu nome passa a estar explicitamente associado a um tema. Existem pessoas que só escrevem livros sobre Direito Trabalhista, ou sobre Gestão de Riscos, sobre Sexualidade na Adolescência ou sobre Educação Infantil, etc. Tais especialistas, em seus livros e entrevistas, só falam sobre o determinado assunto que está associado a seus nomes. O especialista em Saúde Geriátrica, por exemplo, decidiu adotar este tema para ser seu objeto de estudo, e foca-se nele. Assim, todos os seus livros, artigos e entrevistas referem-se a tal tema. Agora, por que eu não tenho o direito de ter escolhido um tema e nele me focar? Por que que, se eu falo principalmente sobre feminismo e estética, “é porque tenho uma neura” (como uma colega funkeira diz)? Todo especialista escolhe seu tema. A especialização, aliás, pressupõe que a pessoa versa sobre um tema apenas. Então por que eu não tenho o direito de ter escolhido uma causa específica a abraçar?


Meu tema é o feminismo e tudo o que está associado a ele. Por mais que eu escreva um texto sobre música, sempre vou puxar um gancho para falar de questões de gênero. A questão da estética é apenas um desdobramento do feminismo atual. Não vejo como falar em feminismo na atualidade sem mencionar a questão da ditadura da beleza. E como a questão da estética é um assunto que está muito em voga (a cada semana ouço uma pessoa diferente dizendo que vai fazer uma cirurgia plástica – e infelizmente, não estou exagerando, não), tenho escrito frequentemente sobre ele. Também faço questionamentos sobre consumismo, valores, música, etc. Mas, como eu disse, o assunto que escolhi para escrever é gênero, e vou sempre escrever sobre temas associados.

Não entendo porque falar de feminismo incomoda tanto as pessoas. Se uma pessoa passa a vida inteira escrevendo sobre as espécies de formigas da Amazônia, ninguém fala nada. Agora, se eu só quero falar de feminismo e seus desdobramentos (como estética, por exemplo), é porque “eu tenho uma neura” ou porque “sou obcecada porque não tenho peito” ou porque “sou invocadinha porque sou feia”.

“Alguma vez já se colocou no lugar de uma pessoa, deficiente fisico, q encontra dificuldades em se locomover pelas ruas de curitiba?”

Novamente, o fato de eu não comentar sobre determinados assuntos não significa que eu não esteja nem aí para eles. Significa, isso sim, que eu tenho um tema específico. Adoraria conseguir escrever sobre a vida difícil dos deficientes físicos, sobre o impacto da crise imobiliária norte-americana sobre as microempresas brasileiras, ou sobre reprodução de coelhos Himalaia. Mas felizmente ou infelizmente, eu escolhi um tema e é sobre ele que escrevo.


Outra coisa: a causa que eu defendo é inferiorizada caso eu não defenda milhares de outras causas ao mesmo tempo? A minha credibilidade se dissipa caso eu não defenda todas as causas do mundo? Em outras palavras, se eu levanto a bandeira do feminismo e não levanto a bandeira contra o preconceito contra deficientes, isso compromete a credibilidade do movimento que eu defendo mais vivazmente?

“Bom, tenho 14 anos e encontro facilmente nas lojas sutiã P, SEM ENCHIMENTO”

Existem sim sutiãs P sem enchimento, mas são daquela malha horrível que mais parece uma meia-calça, ou seja, não cobrem nada, e com algumas blusas é impossível usar porque marcam demais o seio. É quase que para funcionar como uma justificativa, pras mulheres realmente acreditarem que “ realmente, pra não marcar tem que ser de bojo mesmo, não tem jeito”.
E vale ressaltar aqui que por “enchimento” eu também quero dizer “bojo”. Ou seja, um sutiã de bojo sem enchimento já é um sutiã de enchimento, porque o bojo já funciona como tal. Então, se ainda assim você insiste que encontra sutiãs P sem enchimento, sem bojo, mas sem ser de “modelo de vó” ou de malhas que mais parecem uma meia calça, por favor, me avise onde são essas lojas, pois estou precisando comprar.

Me avisem logo onde tem sutiã que não seja nem de enchimento, nem "de vó" (ou "estilo amamentação").