sábado, 30 de maio de 2009

Pelo direito de me sentir bem com um sutiã P





Posso afirmar que, hoje, comprar sutiã é a tarefa mais difícil que existe pra mim. Mais difícil do que levar Pinscher no veterinário. Não encontro mais em lugar nenhum os bons e velhos sutiãs de algodão e sem enchimento que costumava-se fabricar. Hoje todos os sutiãs têm enchimento, exceto por aqueles modelos horríveis “de vó”. Isso pode parecer piada, mas não é; é muito sério.


É isso...

...ou isso.


Tive o desprazer de ouvir de uma vendedora, uma vez, que naquela loja só teria sutiã sem enchimento se fosse a partir do tamanho M. Os sutiãs de tamanho P, segundo ela, nem eram mais produzidos sem enchimento pela fábrica.

Qual é a mensagem oculta (mas cujos efeitos são indeléveis sobre a auto-estima de uma mulher) dessa indústria de sutiãs exclusivamente com enchimento, portanto? Bom, é a seguinte: “se você usa sutiã P, você está obrigatoriamente intimada a usar enchimento. E se você usa P e se sente bem com isso, pois deveria se sentir mal, tanto é que nem mais fabricamos os sem enchimento, pois é inconcebível uma mulher se aceitar assim. Você não é mulher se não tiver peito; portanto, obedeça, você é um lixo e deve se adequar a todo custo ao padrão de beleza que a mídia está veiculando. Como você ousa, aliás, ir contra a regra fundamental da atual ditadura da beleza?”

Ironias à parte, essa é, realmente, a mensagem que a indústria de sutiãs com enchimento (que caminha paralelamente com as tendências que a mídia estabelece) expressa simbolicamente às mulheres. A questão da mídia como instituidora dos padrões e da ditadura da beleza (e a influência negativa disso sobre as mulheres), no entanto, é tão ampla que merece um texto inteiramente dedicado a ela (e o farei mais tarde).


Há uma segunda questão importante que decorre da comercialização exclusiva de sutiãs com enchimento: eles fazem a pessoa se acostumar com algo que não é real. E quando nos acostumamos com algo, aquele elemento passa a ser nosso parâmetro. Por exemplo: se você rodar com uma Mercedez AMG C63 por um mês, certamente terá problemas em se readaptar a qualquer carro popular que não ofereça todo o conforto e a potência do visado carro esportivo. Seus parâmetros de conforto, potência, luxo, tecnologia, etc, serão formados a partir de sua experiência com o carrão, ou seja, você tomará como referência algo que não condiz com a sua realidade. Sob esse ângulo, todos os carros populares se tornarão insuficientes para satisfazer seu ego entusiasmado e iludido com uma realidade que não te pertence.


Tá bom, reconheço que é necessário ter um sutiã de bojo (mas os sem enchimento) para aquelas situações que o exijam, como pra usar com roupas muito coladas ou com aquela blusinha branca de algodão que só te faz passar vergonha se não estiver com um desses por baixo. O problema é quando sutiã com bojo e enchimento se torna acessório indispensável para o dia-a-dia. Promovendo uma ilusão sobre o seu corpo, eles criam um conflito com a auto-imagem quando você volta a ser você mesma, já que seu parâmetro do que é ficar bonita está condicionado a uma imagem com a qual você conviveu o dia inteiro, mas que não corresponde à realidade.


Uma moda nunca é apenas uma moda. Uma tendência de fabricação em massa de determinado produto nunca é apenas uma mera tendência. Toda forma de expressão social carrega consigo um significado, um valor e uma finalidade. No caso dos sutiãs hoje serem praticamente todos de enchimento (ou apenas bojo), o significado é claro: pregar que um seio pequeno não pode ser bonito. O valor é tácito: se você tem seios pequenos, não é mulher. A finalidade é evidente: fazer as mulheres cada vez mais insatisfeitas com o próprio corpo, fazendo-as acreditar que precisam recorrer a uma cirurgia de próteses para poderem se sentir felizes e bonitas.


Enquanto assisto a essa alienação massificada em que as mulheres estão tristemente incorrendo, continuo percorrendo os corredores dos shopping centers à procura de um sutiã que me dê o direito de me representar naturalmente. Pelo direito de ser feliz como sou. Pelo direito de não precisar ser milimetricamente perfeita. Pelo direito de ser humana.

4 comentários:

  1. Bom, tenho 14 anos e encontro facilmente nas lojas sutiã P, SEM ENCHIMENTO. Entendo q se vc acredita q usando um sutiã todos os dias com enchimento tera a sensação de q não vivera sem ele, é pq n esta segura de ser uma mulher com pouco peito.
    A impressão q tenho é q vc é revoltadinha pq n tem peito.
    Ja imaginou q existem mulheres q tem peitos grandes naturais e tb tem problema c sutiã?
    Alguma vez já se colocou no lugar de uma pessoa, deficiente fisico, q encontra dificuldades em se locomover pelas ruas de curitiba?Penso q não, pq percebo q seu questionamento a respeito da vida baseia-se apenas em situações q envolvam a estética.

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  2. O pior de tudo, pra mim, é de uns tempos pra cá... Ter enchimento em sutiãs de tamanho grande! Pode uma coisa destas? Geralmente, os modelos mais baratos (dos quais sou público alvo, pois uso 48), só estão disponíveis com enchimento. Ou então, aqueles tipo "vovó", mas... Olha, só ganhando de "presente", né?

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  3. Acho que sua revolta está focada no lado errado, o fato de não ter sutiã P sem enchimento provavelmente é questão de mercado. Se uma empresa fabrica um produto que não vende ou vende pouco (margens de lucro baixas) logo ele vai focar no que dá mais dinheiro. As mulheres é que deixaram de comprar para se adequar a um perfil imposto. Porquem este perfil é imposto não sei, acho que você poderia refletir a respeito e colocar sua opinião.

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  4. Suas reflexões são sociologicamente acuradas. Não se preocupe com comentários que caem em um psicologismo fácil ao individualizar problemas coletivos. Parabéns!

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